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NDAC participa do evento “Filantropia, instituições e sociedade civil”

Tempo de leitura: 6 minutos

Wanderson F. Souza*


O evento “Filantropia, Instituições e Sociedade Civil” foi realizado pelo DesJus/CEBRAP, com o apoio do Instituto Beja e participação do NDAC/CEBRAP, no dia 26 de fevereiro de 2025. O encontro contou com apresentações dos pesquisadores Adrian Gurza Lavalle (CEBRAP e DCP/USP) e Mário Aquino Alves (EAESP/FGV), e mediação de Raíssa Ventura (DesJus). A discussão abordou questões teóricas e empíricas sobre a filantropia, processos de institucionalização e a interação entre movimentos sociais (MSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e o Estado. Durante a conferência, que fez parte de um ciclo de formações do CEBRAP, os palestrantes exploraram os desafios e potencialidades da filantropia praticada por organizações sociais, empresas e outros atores, a sua relação com políticas públicas e os processos de disputa política que permeiam esse campo no Brasil.


Fonte: DesJus
Fonte: DesJus

Movimentos sociais, institucionalização e políticas públicas


Adrian Gurza Lavalle iniciou sua apresentação abordando a institucionalização como um processo interativo no qual MSs e OSCs transformam agendas, interesses, categorias e práticas em elementos do Estado e das políticas públicas. Ele exemplificou essa dinâmica com a introdução do quesito racial nos formulários de atendimento à saúde primária no SUS, uma conquista do movimento feminista negro que levou décadas para ser incorporada e que modificou a forma como o Estado reconhece desigualdades, produz dados e formula políticas públicas.


Adrian discutiu como a institucionalização impacta a formulação e implementação de políticas públicas, destacando que esse processo não ocorre de forma espontânea ou linear, mas por meio de ciclos prolongados de disputa e sedimentação de práticas. Ele enfatizou que, ao longo do tempo, esses processos resultam em “encaixes institucionais” que ampliam a capacidade de atuação dos atores sociais e alteram a configuração do próprio Estado. Muitas das mudanças institucionais que parecem naturais ou inevitáveis são, na verdade, fruto de anos de mobilização e pressão por parte de diferentes grupos sociais. 


Nesse contexto, a incorporação de certas demandas na estrutura estatal pode transformar profundamente políticas e práticas públicas, produzindo novos desafios e oportunidades para a ação da sociedade civil. Como exemplo, foi mencionada a inclusão da categoria “agricultura familiar” nas políticas agrícolas do Brasil, que levou à criação de novas iniciativas de crédito voltadas aos agricultores familiares.


Outro ponto central de sua fala foi a ideia de capacidades estatais, argumentando que elas não são apenas técnicas e administrativas, mas também políticas e relacionais. Ou seja, a capacidade do Estado de implementar políticas depende de sua interação com atores da sociedade civil que, por sua vez, contribuem para a definição de agendas e a efetividade das políticas. Segundo Adrian, o Estado não é um ente isolado, mas está em constante transformação e suas capacidades e limitações são, em grande parte, moldadas por processos de interação com a sociedade e, por isso, sugere o uso do conceito de “capacidades socioestatais” para a abordagem do tema.


Filantropia e instituições: uma perspectiva dos estudos organizacionais


Mário Aquino Alves discorreu sobre a filantropia a partir da abordagem dos estudos organizacionais, analisando-a como uma instituição que se estrutura em lógicas específicas e que interage com o Estado, o mercado e demais atores da sociedade civil. Ele ressaltou que a filantropia, no Brasil, passou por uma profissionalização crescente, resultando em novos formatos institucionais, como institutos e fundações empresariais, que articulam estratégias corporativas e de políticas públicas.


O pesquisador destacou que a filantropia se insere em diferentes lógicas institucionais, incluindo a lógica do mercado, do Estado e da comunidade, e que essa diversidade pode gerar tensões e contradições. Por exemplo, a adoção de métricas de eficiência e impacto social pode fortalecer a capacidade das organizações filantrópicas de demonstrar resultados, mas também pode levar a uma tecnocratização excessiva, afastando-as de processos participativos e de uma abordagem mais sensível às especificidades das comunidades com que se relacionam.


Mário também levantou questões críticas sobre a filantropia como reprodutora de desigualdades, seja pela concentração de recursos, seja pela falta de transparência e diversidade em suas estruturas de governança. Ele apontou que, apesar de seu potencial de promover mudanças sociais positivas, a filantropia também pode atuar como um mecanismo de manutenção de poder e de influência de grandes grupos econômicos sobre políticas públicas.


O pesquisador também destacou que a filantropia não é um fenômeno homogêneo, mas um campo de disputa no qual diferentes atores competem por legitimidade, recursos e influência. A filantropia corporativa, por exemplo, tem um papel diferente das fundações comunitárias, e ambas operam com lógicas e objetivos distintos. Além disso, Mário sugeriu que a filantropia deve ser analisada também sob uma perspectiva discursiva, pois molda percepções sobre justiça social e poder, questionando até que ponto a filantropia pode ser um mecanismo de fortalecimento da democracia ou de perpetuação de desigualdades, destacando ainda a importância de considerar as disputas políticas e institucionais que orientam suas práticas.


Debate com participantes


Disputa política sobre a filantropia


Os participantes discutiram como a filantropia pode ser um campo de disputa política. Foram levantadas questões sobre o uso da filantropia como mecanismo de influência por grandes grupos econômicos e sobre as formas pelas quais a sociedade pode tensionar esse campo para ampliar sua transparência e inclusão. Os palestrantes destacaram que a filantropia é um espaço em que diferentes atores competem para moldar seu significado e suas práticas, e que a disputa deve ser contínua para evitar a sobrerrepresentação de interesses privados sobre os públicos.


Regulação e governança


O debate também abordou a questão da regulação estatal de organizações da sociedade civil que praticam diferentes filantropias. Alguns participantes questionaram se o Estado deveria intervir mais na definição de limites para a atuação das organizações filantrópicas, enquanto outros apontaram riscos de excessiva burocratização. Nesse contexto, foi ressaltado que o crescimento da regulação indica o próprio aumento da relevância do setor e que esse processo é, por si só, um campo de disputa entre diferentes interesses políticos.


Substituição do Estado


Foi discutida a possibilidade de que a filantropia, em vez de atuar de forma sinérgica e complementar ao Estado, possa acabar substituindo suas funções em determinados setores. Alertou-se para o risco de que políticas públicas sejam desenhadas com base na expectativa de que a filantropia preencha lacunas, comprometendo a universalização de direitos a partir de uma perspectiva de cidadania plena.


Modelos normativos para a filantropia


O debate também entrou em diferentes concepções normativas sobre o papel da filantropia, introduzidas por Lucas Petroni (DesJus, na plateia): o modelo neo-tocquevilliano, o modelo da reparação e o altruísmo eficaz. O modelo neo-tocquevilliano entende a filantropia como um espaço de pluralismo social, no qual diferentes causas podem ser apoiadas independentemente do Estado. Já o modelo de reparação vê a filantropia como um meio de corrigir injustiças históricas, especialmente quando há responsabilidade direta de agentes econômicos ou políticos. O altruísmo eficaz, por sua vez, propõe uma abordagem baseada na maximização do impacto, priorizando ações que tenham o maior retorno social.


Adrian e Mário discutiram os limites e desafios de cada modelo. Enquanto o neo-tocquevilliano fortalece o dinamismo da sociedade civil, pode reforçar desigualdades ao permitir que grandes doadores determinem prioridades sem participação pública. O modelo de reparação, por outro lado, pode encontrar desafios na definição de quais e como as injustiças devem ser corrigidas, enquanto o altruísmo eficaz pode ignorar aspectos qualitativos do desenvolvimento social em prol de métricas quantificáveis que afastam a participação comunitária e levam à tecnocratização. Um caminho apontado é o de entender a ecologia organizacional da filantropia e, a partir desse diagnóstico, desenhar arranjos que considerem as distintas contribuições que as filantropias, de forma articulada, podem fazer à sociedade.


Conclusões do debate


O evento demonstrou a complexidade da filantropia como fenômeno institucional e político, destacando sua interação com o Estado e os desafios que enfrenta. Entre os limites discutidos, ressalta-se o risco de uma influência privada excessiva sobre a definição de políticas públicas, a necessidade de maior transparência e os desafios na regulamentação do setor. A discussão sobre os modelos normativos indicou que não há uma única abordagem ideal, mas que cada modelo traz diferentes implicações para a democracia, a participação social e a equidade.


Também foi destacado que a filantropia não pode ser dissociada de seu contexto histórico e institucional. Seu crescimento nos últimos anos, aliado ao enfraquecimento de certas políticas públicas, impõe desafios para garantir que sua atuação não tente substituir o Estado, mas seja sinérgica e complementar a políticas públicas democraticamente estabelecidas. Nesse sentido, é essencial que haja mecanismos de accountability e um debate público contínuo sobre seus distintos impactos.


O evento reforçou a importância de pesquisas críticas sobre a atuação filantrópica, de modo a assegurar que suas práticas contribuam efetivamente para a democratização do acesso a direitos e para o fortalecimento da cidadania. Um dos consensos é que, longe de ser um setor neutro, a filantropia é um campo de disputa, e sua trajetória será definida pelas escolhas políticas e institucionais que forem feitas agora e nos próximos anos.


Clique aqui para acessar o canal do youtube do CEBRAP e assistir ao evento completo.



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* Doutorando em Ciência Política na Universidade de São Paulo e pesquisador do NDAC/CEBRAP. 

** Este texto não representa necessariamente as opiniões do NDAC e/ou do CEBRAP.

*** Este texto foi elaborado com uso de inteligência artificial (transcrição automática do google docs e chatGPT). 

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